quinta-feira, 30 de março de 2017

Volúvel

Carina
- Você quer ficar solteiro para sempre?
A pergunta da Carina percorreu todo meu sistema nervoso como se fosse um fantasma arrastando correntes por uma casa assombrada. Gelei e nenhuma outra reação era possível.
Nós homens nascemos com alguns defeitos de programação de fábrica que nos fazem reagir de maneira exagerada a algumas situações inocentes. É algo inerente por mais que reconhecemos. Basta fazer um teste com seu companheiro. Quando ele estiver na sala distraído, por exemplo, grite do quarto algo como:
- O QUE É ISSO, PEDRO HENRIQUE?
Estou supondo que ele se chame Pedro Henrique. Do contrário, aí você que vai ter um problema. Enfim, ao gritar isso, mesmo que o dito cujo não tenha culpa no cartório, instintivamente, sob efeito de algo mais forte, ele se tremerá todo, gaguejará e, não me surpreenderia caso chorasse pedindo desculpas enquanto se encaminha engatinhando para o quarto.
Algo do tipo já aconteceu comigo certa vez. Estava dando aula pela primeira vez para uma turma de primeiro período. Toda aula é sempre a mesma coisa, um aluno ou outro fica ao final para falar algo, útil ou não. Na maior parte das vezes, são lamentações gratuitas. Em turmas de primeiro período, inevitavelmente, por cautela ou excesso de respeito, os alunos costumam me chamar de senhor, professor, mestre ou algo do tipo. Naquele dia, uma aluna, mais velha que a média, algo em torno de uns vinte e cinco anos, ficou por último para falar comigo. Ela começou a conversa com:
- Preciso falar com você.
O pronome informal derrubou qualquer barreira que me deixaria ressabiado com as famosas lamentações de primeiro dia de aula. Pior ainda, criou um falso ar de intimidade entre os dois. À vontade, deixei que a aluna prosseguisse. Foi quando que ela sapecou:
- Estou grávida.
As minhas pernas fraquejaram. A pele, sempre branca, ficou da cor de uma vela. O suor surgiu abruptamente na testa. E dentro da minha cabeça ouvia a banda do Programa do Ratinho tocando “Parabéns pro papai!”. O desespero aflorava cada vez mais quando finalmente me toquei que nunca tinha visto aquela menina até então. Tudo não passava de mais uma reação exagerada por conta do nosso defeito de programação original.
Voltando à pergunta da Carina. Fui pego de surpresa. Não esperava que um dia ela tocasse nesse assunto. Quando a conheci, me alertavam que ela precisava de escolta. A garota não marcava bobeira. Chegava junto e na pressão. Era daquelas que se você piscasse, ela te sacudia e só se daria por si quando estivesse estirado em um motel, com ela sentada à beira da cama se penteando e te apressando para pedir a conta, pois não quer perder o capítulo da série sobre as Kardashians. É, ninguém é perfeito. Evitei-a em algumas oportunidades para não ter dor de cabeça, até que um dia foi inevitável. Numa madrugada de dia de semana, Carina apareceu bêbada debaixo da minha janela gritando meu nome. Algo precisava ser feito antes que os vizinhos reclamassem. Ou me chamassem de frouxo. Deixei que entrasse e obviamente que o bicho pegou. Sem cerimônias, ao final, ela tomou um banho e foi embora. Mantivemos até então uma relação que não sei ao certo como classificar. Era quase que um delivery reverso. Ela ligava, perguntava se estava disponível e vinha ao meu encontro. Satisfeita ou com a tarefa razoavelmente encerrada, pois não vou mentir que sempre dou conta da libido dela, ela ia embora e a vida seguia.
Era uma dinâmica tão bem resolvida e prática que não tinha motivos para mexer naquilo. Eu mesmo tentei dar um toque especial algumas vezes. Em uma delas, chamei a Carina para comer uma coisa na rua antes. Ela dispensou. Nada em público. Para ela, nossa relação se limitava ao meu quarto. Noutra, propus um vinho antes. Foi rapidamente colocado de lado por ela. A possibilidade de um dos dois cair bêbado ou ter de lidar com uma ereção capenga por motivos alcoólicos fizeram Carina manter o protocolo objetivo. Nada fugia da rotina que era chegar, um agarrava o outro, tirávamos a roupa, transávamos como dois babuínos no cio e, se ela estivesse com uma folga de tempo, um papinho depois, do contrário, banho e ia embora.
Por conta da sua personalidade e do implícito contrato sexual consentido por ambas as partes, a pergunta me causou pânico. Sem falar do famigerado defeito de programação já citado, obviamente. Não acreditava que chegaria ao ponto de ter de inventar uma desculpa para me desvencilhar dela. Era tudo ótimo como estava. Por qual motivo ela queria entrar em um relacionamento sério? Aliás, por que transformar em um relacionamento?
- Você está doido? De onde tirou que quero algo sério com você? Eu nunca quis algo sério com alguém. Imagine com você. – ela terminou a fala rindo.
- Não precisava me magoar também. Era só falar que entendi errado.
- Você entendeu MUITO errado. – Carina fez questão de enfatizar o muito. – Aliás, você sempre entende tudo errado. A única coisa que me interessa é se pretende ficar nessa por muito tempo ou corro risco de perder meu objeto sexual para alguém disposta a desenvolver uma relação com um pervertido incorrigível.
- Estou confuso se devo ficar mais magoado ou se isso foi um elogio.
- ANDA! – ela demonstrou um pouco de impaciência. – Responde logo!
- Responder o que, baby?
- Corro o risco de perder o meu brinquedinho por demanda?
- Não, não corre. Por quê? Posso saber?
- Porque estava pensando em dar um passo à frente nessa brincadeira. – vendo que meus olhos se arregalaram novamente, Carina se antecipou em me acalmar. – Não é o que está pensando, desesperado. Quero apimentar mais as coisas que estão começando a ficar monótonas.
Já tinha um tempo que a Carina dava sinais que ia pedir algo do tipo. Mesmo sendo bem resolvida, tinha a impressão que ela ficaria nas indiretas e dicas soltas no ar até que eu me tocasse e pedisse. Engano meu. Ela mandou na minha lata, direto e reto. Queria fazer um ménage à trois. Sim, meus caros. Ela propôs por iniciativa própria o Santo Graal da perversão masculina. A menor das surubas. Apenas uma condição foi imposta, eu quem deveria arrumar a terceira pessoa. A euforia dela com a minha pronta aceitação foi tamanha que desistiu de se vestir para ir embora e pediu mais umazinha.
- Tá, mas preciso de uns quinze minutos que ainda estou meio cansado. – eu tive de ser honesto.
Já tinham se passado dois dias e nada de chegar perto de ter um nome. Mesmo empolgado, ou ansioso, ou excitado mesmo, com a proposta, estava empacado na parte do arrumar a terceira pessoa. Na teoria, essa parece ser a parte mais fácil. Inocência da minha parte. A primeira coisa que me veio à cabeça foram as amigas lésbicas. Ora, é, no mínimo, ofensivo achar que a pessoa por ser lésbica tem um nível de perversão diferenciado ao ponto de topar uma surubinha. Por que uma amiga heterossexual não teria tal nível de perversão? E o pior? Por que acreditar que uma amiga lésbica está mais propensa a topar algo com um homem do que uma amiga heterossexual topar algo com uma mulher? Achei melhor abordar quatro amigas. Era sempre a mesma ladainha inicial. Comentava do meu dilema e perguntava se elas tinham uma conhecida para indicar. Notem que em nenhum momento convidava a própria amiga. Para enfatizar o desapego da proposta, não perguntava por amigas delas, mas por colegas. Tudo para deixar no ar uma falsa intenção de não ter intimidade com a presa que seria devorada por mim e pela Carina. Obviamente, era uma estratégia escalafobética para a pessoa se candidatar. Das quatro, três chegaram a pedir para ver uma foto da Carina. Não sei por qual motivo, mas pediram. De corpo inteiro e uma do rosto de perto. Nenhuma das quatro se propôs, tampouco indicaram alguém. Em compensação, todas pediram relatos caso eu conseguisse colocar em prática. Claro que daria relatos sensacionais, mesmo não acontecendo, inclusive.
Já estava com aquela missão nas mãos há mais de uma semana e nada. A solução mais óbvia de todas martelava minha cabeça toda vez que me lembrava dessa pendência. Carina começou a me cobrar e, num ato de desespero, segui com a famigerada solução. Contratei uma garota de programa. Claro que para ficar por cima, combinei com a profissional que ela deveria ser atriz, fato que fez com que tentasse me extorquir umas notas a mais. Não colou. Acordei com ela que fingisse ser minha amiga. Dei umas dicas para que ela tivesse histórias em comum comigo, dentre outras futilidades que denunciaria a nossa amizade fictícia.
No dia combinado, Angel, a garota de programa chegou bem antes do horário marcado. A ideia era fingir intimidade. Ela estaria descalça deitada no sofá como se fosse antiga frequentadora da casa. Pedi também que ficasse só de blusa e calcinha. Ah, e mudamos o nome dela. Porque, convenhamos, Angel era demasiadamente óbvio. Virou Patrícia mesmo.
- Mas já iniciaram os trabalhos na minha ausência? – Carina disse assim que entrou e encontrou a Patrícia refestelada seminua no meu sofá.
- Que nada – Patrícia tomou à frente. – Foram uns amassos de leve. Coisa de matar a saudade.
- Matar a saudade, é? – Perguntou a Carine.
- É, matar a saudade. – Concordei sem ter a mínima ideia do que a Patrícia falava e em seguida perguntei à própria. – Matar a saudade, né?
- Claro – Patrícia seguiu com seu roteiro inventado sobre algo que não combinamos. – Desde Cabo Frio, lembra? Devem ter uns seis meses que não nos vemos. Não é?
- Sim, imagino que seja isso. – Confirmei. – Não tinha noção de quanto tempo não nos víamos. Tanto que não comentei algo sobre com a Carina. Aliás, ainda bem, né? Digo... Aliás, esta é a Carina e esta é a Patrícia.
As duas se cumprimentaram e ficaram sentadas uma ao lado da outra no sofá. Fui à cozinha pegar uns copos para servir a tequila que a Carina exigiu para tirar a timidez. Seja lá o que ela chamava timidez. Enquanto buscava copos, garrafa, limão e sal, eu fiquei com os ouvidos ligados na conversa da sala. Sabe-se lá o que a boca descontrolada da Patrícia aprontaria. Ela deu sorte no assunto do tempo que não nos víamos. Nem queria imaginar o que aconteceria se tivesse dito para a Carina que eu tinha a visto recentemente ou algo que fosse contraditório à demência que ele resolveu improvisar.
- Você é muito mais bonita pessoalmente – ouvi da cozinha a Patrícia dizer para a Carina.
- Jura? O baby mostrou foto minha para você?
- Baby?
- Sim, ele é o baby.
- Nossa que apelido fofo. Por que disso?
- Porque ele chama todo mundo de baby. Nunca ouviu isso?
- Claro que ouviu! – Voltei da cozinha interrompendo o diálogo das duas. – Praticamente pontuo as frases com baby. Sua tequila.
- Carta ouro? – Carina perguntou num misto de exclamação e demonstração de ter ignorado a mancada. – Você capricha mesmo.
- Não é um dia qualquer, baby.
- Tem razão – Carina concordou para depois ponderar. – Ainda assim me senti meio desprivilegiada. Você mostrou foto minha para ela, mas não me mandou uma foto dela sequer.
- É como ela disse, baby. Tinha muito tempo que não nos víamos, então mandar uma foto antiga poderia criar uma ilusão.
- Exatamente – Patrícia interveio para o meu desespero. – E sem falar que seis meses atrás eu estava gordinha. Tipo inchada, sabe? Não foi uma época boa para mim.
- Nossa – Carina se espantou. – Nem diria que já foi gordinha. Você tem um baita corpão.
- Obrigada! Ah, obrigada! – Patrícia agradeceu à Carina pelo elogio e a mim pela dose de tequila que foi virada rapidamente. – Quem diria naquele dia em Ilha Grande em que nos conhecemos que iríamos um dia estar aqui nessa aventura?
- Ilha Grande? – Carina se espantou e eu, calado, também. – Baby, nunca te imaginaria em Ilha Grande.
- Que coisa, não? – Interagi com um sorriso artificial. – Foi uma única vez e foi suficiente só por encontrar essa pérola. Não é mesmo, meu anjo?
- Patrícia! – A infeliz não entendeu o meu sarcasmo e corrigiu o que não precisava.
- Esquece – Cortei o tema para evitar maiores problemas e já puxei outro com o intuito da Carina se expor, já que tinha acordado com a Patrícia alguns dias atrás que isso precisava ser combinado antes de começar a fodelança. – Que tal falarmos sobre preferências ou restrições para a atividade do dia?
- Então, que bom que tocou no tema – Patrícia, sabe-se lá o porquê, tomou a frente da conversa. – Vai ter de rolar uma restrição, sim. Sabe como é, né? Ontem tive relações com um cara...
- Um cara? – Carina a interrompeu espantada. – Você não é gay? Ela não é gay, baby?
- Sim, ela é. Digo, não! Quero dizer... – Tentei explicar, me enrolei e fui cortado pela Carina.
- Poxa, baby! Imaginei que traria uma amiga gay para interagir comigo. Você é muito egoísta mesmo. A ideia foi minha e você quem vai ficar com a atenção das duas.
- Não, não é isso – A Patrícia se meteu na conversa. – Você está confundindo as coisas, gata. É Marina, certo?
- Carina! – A própria respondeu.
- Então, Carina, eu topo qualquer parada. Meninas e meninos. Pode relaxar quanto a isso. Inclusive, acho que só vou te dar atenção hoje, pois, como estava querendo dizer, ontem transei com um cara e ele me deixou um pouco machucada. Ele era meio sem jeito, sabe? Daí, hoje não vai rolar anal.
- Patrícia – tentei intervir em vão.
- Pois vou te falar uma coisa, Carina. Tem bastante tempo que não vejo esse cachorro, mas parece que foi ontem. Lembro bem do estrago que ele me fez da última vez.
- Patrícia – insisti em interromper a improvisação não combinada dela.
- Aliás, – ela fez uma pausa para tomar um shot de tequila me dando a oportunidade de cortá-la, mas a desperdicei pasmo com o talento da menina para fazer merda. – da última uma pinoia. Todas às vezes. Impressionante como que, em toda vez que transo com o bebê, digo, o baby, ele arregaça o meu rabo.
- Ele o que? – Carina se espanta.
- Patrícia – faço mais uma intervenção, mas já sabendo que talvez seja tarde demais.
- Não! Peraí! – Carina se impõe. – Ele não gosta de cu. Nunca comeu cu na vida. Baby, quem é essa garota?
Até poderia contornar a situação, mas minha pausa com uma expressão de derrota acusou tudo. Em questão de segundos, a Carina ligou todas as mancadas que a Patrícia cometeu naquele pouco espaço de tempo e concluiu acertadamente que não éramos amigos como tínhamos nos apresentado. Foram necessários mais uns segundos para a Carina perceber que, se não era amiga, só podia ser uma garota de programa.
- Ok, você me descobriu. – Patrícia não sabia mesmo a hora de se calar. – Entenda que isso não tem problema algum. Sou profissional. Acredite, vai ser bem melhor do que com uma conhecida sem experiência.
Carina, segundo ela mesma, pouco se importava com experiência, desenvoltura ou traquejo para a coisa. A preocupação era higiene. Patrícia, ou Angel, tanto faz, obviamente fez uma cena se explicando sobre como era uma pessoa limpinha. Não era disso que Carina se referia. Ela estava preocupada com doenças. Não se sentia segura com uma pessoa que indiscutivelmente é considerada grupo de risco. A profissional se ofendeu sem motivos, ficou irritada e começou uma discussão com a Carina. Foi uma baixaria só. Nada perto da baixaria que esperava que fosse rolar no meu quarto. Carina, no auge da discussão, afirmou que não falaria mais com ela e decretou que nada mais aconteceria. Foi uma frustração terrível. Ao menos, ela tomou partido das coisas e colocou a rainha das gafes para fora da minha casa. Fato que agradeci, pois não precisei pagar pelos (des) serviços dela. Com a saída da garota de programa, as coisas se acalmaram um pouco. Tentei aproveitar a presença da Carina para não ficar na mão, literalmente. Ela ainda estava irada com a minha atitude. Minhas atitudes, diga-se de passagem. Contratar uma garota de programa e mentir para ela. Obviamente não rolou coisa alguma. Ainda bem que ela não foi embora brigada comigo. De quebra, manteve a proposta da mesa. Na saída, sacramentou:
- Semana que vem sem falta. E nem se dê ao trabalho de procurar alguém. Você pisou na bola. Agora quem vai arrumar a pessoa sou eu.
A semana não passou tão rapidamente como gostaria. Ao menos, pelo lado bom, tive bastante tempo para planejar uns movimentos e umas posições em que fosse possível dar atenção para as duas meninas ao mesmo tempo. Pude também me manter em forma com duas séries diárias de exercícios que prefiro chamar intimamente de punheta. No final de semana, que ficou bem no meio do período, não saí. Nada de desperdiçar energia. Fiquei em casa me concentrando fazendo uma maratona de filmes pornôs sobre o tema. Aproveitei também para providenciar as bebidas que iriam dar aquela animada nas meninas. Não pensava em outra coisa que não fosse o tal evento. Cancelei todos os compromissos do dia, dormi até tarde para estar bem descansado, dei uma aparada nos pelos do playground e me prostrei no sofá esperando a chegada das duas beldades.
Nunca tinha visto Carina com mulheres dando pinta de estar se relacionando com alguma delas. Inclusive, ela sempre comentava comigo que tinha vontade de ficar com meninas, mas não tinha conseguido. Não sabia ao certo se era uma confissão sincera, ou se ela estava apenas soltando uma deixa para que eu propusesse algo. Era algo contraditório se considerasse que ela, sempre que saía, ia para baladas GLS. Seu argumento era que a música era melhor e que podia dançar sem ser importunada por um hétero babaca. Argumento inclusive que todos sabemos ser verdade, infelizmente. O fato era que, sendo verdade ou não, alguém com o perfil dela sempre conhece mais mulheres, mas não somente mulheres.
- Oi, baby – ela disse assim que abri a porta. – Esse é o Mateus.
É possível uma pessoa morta ficar de pé sem apoios? Eu provei que é possível. Sim, podíamos me considerar morto naquele momento. Meu coração parou, o sangue não correu mais, meu cérebro cessou com seus sinais e meu pau entrou. Ok, a última informação não serve para classificar um indivíduo como morto, contudo, achei pertinente para ratificar a minha reação. Não sei quanto tempo fiquei ali atônito tentando processar a informação. Eu apenas fiquei e precisei de um tranco para retomar as atividades biológicas do meu corpo. Tamanha a porrada que o próprio corpo disparou que não houve comunicação do cérebro com a boca e no instinto falei:
- Você não vai comer o meu cu!
Carina e o rapazinho riram. Ela, em seguida, entrou puxando-o pela mão. Enquanto atravessava a sala, ela se vangloriava com ele do fato de ter acertado previamente que eu teria uma reação daquele tipo ao abrir a porta. Ela sempre foi uma cretina mesmo.
- Nunca imaginei que você fosse tão inseguro.
- Não é questão de ser inseguro. Eu apenas não esperava algo do tipo. Estava aqui todo ansioso aguardando por você e supostamente uma amiguinha. Alguém da sua idade, entende? Cinturinha fina. Peitinhos, se possível, menores que o seu, só para ter uma diversidade. Sabe do que estou falando? Abre o bocão para os seus, faz biquinho para os da amiguinha. Quem sabe uma loura para contrastar com seus cabelos negros? Mas não! Surge-me um caralhudo. Não que eu tenha reparado na sua virilha para constatar isso. Eu nem olhei para aí. Droga! Olhei agora apenas para enfatizar o que estava a dizer. Não pense que sou manja rola que fica encarando o pau dos outros. Caralhudo foi um termo aleatório para dar mais dramaticidade à coisa. O fato de ter pau grande para mim não é um drama. Não! Peraí! Não quero dizer que reparei naquela olhada o tamanho do seu pau pelo volume. Eu nem olhei direito. Foi uma olhada sem ver. Sequer conseguiria dizer se o seu zíper está aberto. Vejam só! Não está! Não! Porra! Aí é sacanagem! Ele deu maior ajeitadão. Daí fica impossível não olhar. Aí, olha! Jogou para esquerda! Pronto, olhei novamente. Já encarei mais o pau dele do que o próprio rosto. Enfim, por que estou falando do pau dele mesmo?
Terminei a pergunta e fui para a cozinha para não piorar a situação. Carina gargalhando respondeu à minha pergunta dizendo que eu era enrustido. Preferi ignorar. Ela prosseguiu me sacaneando à distância falando para não me preocupar, pois o pau dele não era maior que o meu. Todavia, era mais grosso. Sequer caberia na minha mão, ela completou. Depois, finalizou dizendo que era melhor eu tentar segurá-lo para tirar a dúvida. Eu permaneci na cozinha batendo a minha cabeça contra a geladeira enquanto aquela cretina se calava.
- Baby – Carina quebrou o silêncio quando retornei da cozinha. - Vamos ter calma? Ninguém vai fazer nada que o outro não queira.
- Acho justo – peguei a deixa da Carina. – Inclusive, na semana passada, antes de começar, íamos deixar claro os limites de cada um.
- Sim, é verdade. Bem, considerando que são dois homens hoje, minha única restrição vai ser dupla penetração. De resto, é festa – Carina encerrou a fala com sua tradicional risada de doida divertida.
- Bem, as minhas serão... – minha fala foi interrompida pelo Mateus.
- Além de não permitir que eu chegue perto da sua bunda, né?
- Ora, vejam só. Parou de coçar o pau para fazer piadinhas – fiz uma pausa, pois Carina me olhou atravessada recriminando minha reação. – Enfim, isso que você falou, obviamente, além de outras partes do meu corpo. Aliás, o meu corpo todo. Por favor, mantenha distância dele.
- Ih, baby – Carina se levantou do sofá para ir à cozinha e, no caminho, me deu um tapa na testa. – Homofóbico, é? Cada segundo uma surpresa. Pego cerveja na geladeira ou congelador?
- Congelador! E não sou homofóbico. Muito pelo contrário. Sabe bem disso. Vou cumprimentar o Mateus sempre que nos encontrarmos, o abraçarei quando conveniente, entretanto, com os dois pelados, quero distância. Não consigo me sentir à vontade. Não é uma questão de discriminar homens de uma maneira geral ou apena gays. Apenas me sinto exposto quando nu na presença de um homem e a proximidade com ele me deixa desconfortável. Para se que tenha uma noção, depois do futebol, quando iam todos para o chuveiro, eu ficava enrolando do lado de fora. Sei lá. Aquele monte de piroca e bunda cabeluda não era uma cena a qual queria fazer parte. Não era questão de desejos reprimidos, não me garantir caso alguém se aproximasse, ou complexo de comparar medidas. Trata-se de uma cena que não me apetece. Tipo animal sendo maltratado, escatologia ou pele de idoso um dia depois de uma pancada.
- O que acontece com a pele de idoso depois de uma pancada? – perguntou o Mateus.
- Fica roxo, mas não é como um hematoma. Apenas a pele mesmo. Coisa nojenta que depois descasca como plástico de capa de caderno vagabundo.
- Baby, – Carina voltou da cozinha. – é sério que de restrições sexuais, já está divagando sobre pele de velho?
- Pois é, acabei indo longe. Enfim, é isso que falei. Ah, e sem contato visual. Não me leve a mal, mas sem olhares cruzados.
- Vocês dois vão ficar transando comigo de cabeça baixa como dois submissos?
- Não precisa ser assim... – Carina não me deixou terminar a frase.
- Você está muito fresco, baby.
- Não é frescura, baby! É questão de não querer encarar outro homem na hora que estiver excitado de pau duro. Nem em filme pornô faço isso. Tem umas horas que eles filmam só o rosto do ator para mostrar a excitação dele. Tá doida? Bater uma punheta olhando para um macho contorcendo artificialmente o rosto à beira de estirar um músculo. Sem falar quando dão close na penetração. Estão lá, pau e boceta. Boceta paradinha e pau dentro, pau fora. Só que ele ocupa a tela toda. E eu balançando o meu encarando a rola de outro cara. Falta apenas eu comentar em voz alta “que rola lustrosa”. Não, não quero! Vou ficar olhando para você o tempo todo. Seu rosto, seus peitos, sua boceta. Se estiver de costas, fico encarando seu rabo. Caso não tenha ângulo para ver alguma coisa, fecho os olhos e imagino a Penélope Cruz.
- Sério? – Mateus pareceu, inicialmente, não aprovar meu comentário num todo. – Ela tem cara de suja.
- Não ouse falar assim dela. Bem, mas que seja! Então me dê um nome. Se fechasse os olhos, em quem pensaria?
- Pierce Brosnan vestido de James Bond.
- Não prefere o Sean Cornery? Peraí! Você é gay?
- Sim, claro! Por quê?
- Gay ou bi?
- Gay! Por quê?
- Você já transou com alguma mulher antes?
- Não, nunca. Mas é que tenho tanta intimidade com a Carina que acho que não será problema.
- Acha? Você... – eu mesmo me interrompi. – Carina, ele acha. Sabe o que acho? Que ele não vai conseguir e, como não cedi coisa alguma que lhe favorecesse, ficamos com poucas opções. Ou os três ficam apenas conversando, ou apenas transarei com você como sempre e ele ficará ao redor da cama... sei lá... cantando La Vie En Rose para dar um toque romântico a mais um ménage fracassado.
- Nossa, que cafona. Não tem outra música melhor?
- MATEUS – eu e Carina gritamos juntos.
Ficou claro naquele momento que nosso plano tinha ido por água abaixo. Pelo menos eu e Carina estávamos quites. Cada um fez uma lambança numa semana. Mesmo assim, não perdemos totalmente a viagem. Largados pela sala, consumimos tudo que tinha preparado enquanto falávamos as mais diversificadas putarias. Mateus foi embora com uma imagem diferente de mim. Percebeu que não era preconceituoso com gays em geral, mas que apenas tinha restrições próprias com o mesmo sexo nu na minha companhia tão compreensíveis quanto a incapacidade dele de ter relações sexuais com mulheres. Carina tentou, com a ajuda dele, fazer um levantamento de nomes em comum para convocar para uma terceira tentativa. Ao final, nos demos por vencidos e deixamos o projeto na gaveta. Na próxima semana, seríamos apenas nós dois, assim ficou combinado. Sem invenções, sem peripécias. Apenas o sexo conveniente e objetivo de sempre. Até mesmo porque, já estávamos há duas semanas sem.

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