quarta-feira, 16 de março de 2016

Debutando mais uma vez

Capítulo Anterior Sete dias de véspera
O táxi até a casa de festas em Duque de Caxias foi uma fortuna. Já na recepção, ao me identificar como professor, a mocinha, que até então achava simpática, perguntou o meu nome. Assim que respondi, ela disse que a dona do colégio comentou para que a equipe de seguranças ficasse de olho em mim. Estava tão nervoso que acabei interpretando aquilo como uma real ameaça e acho que fui um pouco rude com a recepcionista que ficou me olhando atravessado. Quem sabe na saída eu me desculpo com ela?
- MEU DEUS DO CÉU, QUEM É ESTE HOMEM SÉRIO VESTINDO TERNO E GRAVATA?
- Porra, Amaral! Quase me caguei todo!
- Levou susto, cara?
- Não, não é isso – fiz uma pausa para ajeitar a gravata, gesto que notei em todo trajeto de táxi ser um tique nervoso que adquiri. – Você acha que estou confortável assim? Isto não é meu terreno, nem meu traje habitual. Daí você vem gritando do nada fazendo piada.
- Relaxa, cara! Vamos beber umas cervejas e você entra em sua programação habitual.
Amaral então me conduziu por um pequeno corredor que levava até o salão onde acontecia a festa. A cena era bem dentro do que esperava. Luz distribuída estrategicamente apenas na primeira parte onde estavam as mesas com pais sentados conversando entre si. Na segunda parte, pouca luz, som alto e alunos com seus amigos dançando qualquer música da moda. As pessoas que me conheciam, quando notaram a minha chegada, fizeram meio que uma reação coletiva quase coreografada. Mas que diabos! Não é possível que ninguém possa ao menos olhar e pensar que era apenas eu vestindo um terno. Todos precisavam reagir como se fosse uma aberração? Eu uso terno! Mentira, em raríssimas oportunidades uso terno. Contudo, quando uso, sou uma pessoa normal como qualquer outra.
Um pequeno grupo de alunos veio me receber euforicamente. Declaram o quanto estavam incrédulos com a minha presença e mais ainda com a minha roupa. Era uma ótima oportunidade para fazer uma piada sobre só estar lá por conta do open bar, todavia a desperdicei de tão nervoso. Eles e Amaral falaram várias coisas e não prestei atenção a uma sequer. Estava disperso com o olhar vagando por toda a casa à procura de Juliana. Ela era a única razão por estar lá e, principalmente, por estar naquele estado, seja vestido, seja de nervos.
Em determinado momento senti uma mão sobre meu ombro. Pensei ser um dos alunos ali ao redor tentando reconquistar a minha atenção para a conversa e por isto me virei de forma displicente. Era Juliana. Fiquei boquiaberto. Ela também. Visivelmente os meus trajes lhe causaram surpresa. A recíproca era óbvia e nítida. Os dois catatônicos parados frente-a-frente foi tão evidente que todos ao redor perceberam, tornando tudo mais constrangedor ainda. Ela conseguiu disfarçar um pouco e trocou a expressão pasma por um sorriso sincero e encantador. Eu continuei como um palerma em coma.
- Fala, homem – disse ela, algum tempo depois com o sorriso ainda intocado.
Não conseguia. Ela estava estonteante e não queria parar de admirá-la. Falar ou fazer algo que me distraísse poderia acarretar em um piscar de olhos. E não me perdoaria por perder um segundo daquela imagem por conta de uma piscadela. Se existia alguma justiça no universo, ela se faria com a interrupção do tempo naquele momento. Aquela era uma cena que precisaria de semanas para conseguir digerir, meses para apreciar com minuciosa devida atenção e múltiplas vidas para chegar perto de me fartar. Não, eu não queria falar. Eu queria olhar ininterruptamente até que, como um filme fotográfico, ela ficasse impressa ao fundo da minha retina e, sempre que fechasse os olhos, lá estaria pela eternidade.
- Você está me assustando – ela se manifestou mais uma vez. – Fala alguma coisa, homem!
O que falar? Dizer que ela estava linda era pouquíssimo para a realidade ali presente. Era necessária a desenvoltura de um profeta para conseguir articular as sensações que estava sentindo naquele momento. Era preciso a sensibilidade de um pintor para descrever com cores e traços os adjetivos que lhe eram merecidos. Não, eu não era capaz, tão pouco possuía em alguma parte de mim uma poeira sequer desses talentos. Pensei nas minhas referências. Optei por me imaginar em casa de frente para a minha estante e me deparei com o desgraçado do Hunter Thompson. Lá estavam vários mestres que possivelmente poderiam me inspirar naquele momento, mas o destino quis me obrigar a improvisar. Ficava ali de aprendizado colocar em uma posição mais central Neruda e Garcia Márquez.
- Oi – foi tudo que consegui dizer, para depois me aproximar, dar dois beijos em seu rosto e parar em um abraço justo e demorado.
- Não vai dizer que estou linda? – Ela perguntou praticamente sussurrando ao meu ouvido.
- Eu não consigo – respondi mais baixo ainda com o rosto ainda colado ao dela.
- Me diga... – ela se interrompeu, se afastou um pouco e me segurando pelos braços perguntou. – Você está com frio? Está se tremendo todo.
Era verdade. Por mais constrangedor que fosse, estava me tremendo como um adolescente frente à primeira oportunidade de beijar uma garota, mesmo não estando realmente próximo a fazer isso com Juliana. Resolvi desfazer de vez o abraço, ajeitei repetidamente a gravata e tentei disfarçar olhando para as pessoas ali ao redor. Isso deve ter durado menos de um minuto e lá estava novamente analisando cada parte de Juliana. Seus cabelos, presos em um penteado especial como evento exigia, realçavam seu rosto e seu sorriso que sempre me foi arrebatador, ao mesmo tempo, não descaracterizava sua marca registrada, o cabelo cheio ou, como preferia falar, o cabelão. A maquiagem, algo que nunca vira um traço sequer em seu rosto sempre limpo em sala, trazia uma Juliana fatal e sexy. Lá estavam olhos que me devoram a carne, liam a mente e sugavam minha alma. A boca, inquestionavelmente, era a coisa mais provocadora. Parecia o local perfeito para eu me perder e não querer ser achado. Ver meu nome sendo pronunciado por aquela boca deveria ser algo tão excitante quanto a imagem dela nua andando pela minha casa. Não, meu nome não! Baby! Imagine ela me chamando pelo meu vocativo favorito. Os lábios se contraindo e depois se separando para presentear o ar com a primeira sílaba seria o bastante e sinceramente a interromperia mordendo um deles. Ela tentou se aproximar de volta.
- Que vestido é esse? – Perguntei a repelindo parcialmente de perto de mim.
Aquele era o meu momento e queria desfrutar ao máximo. Além do mais, ela estava em um vestido completamente diferente de todos das fotos que me mandou. Era preto, minha cor favorita. Suas alças não eram tão finas, mas deixavam claro que estava sem sutiã. Por que? Era muita coisa para lidar e agora aquele decote convencido preenchido pelos seus seios que sabia que eram fartos, mas que também acabavam de se revelar firmes. Talvez, após essa descrição, na arrumação da minha estante, eu deva cogitar jogar fora alguns romances da Reader’s Digest.
- Baby – ela tentou se aproximar novamente.
Com todas as minhas forças, relutei e resisti à parte da minha mente que queria ir em sua direção. Queria segurar sua cintura, morder seus lábios e fazê-la sentir todo o seu corpo sendo tocado pelo meu. Dei então um passo para trás e a olhei mais uma vez da cabeça aos pés. Como eu a queria. Era uma certeza que fazia qualquer desejo anterior por ela soar leviano. Eu a queria muito e não era apenas naquele momento, mas a partir daquele momento em diante.
Ela voltou a investir e com uma das mãos por trás da minha nuca se fez por determinada. Segurou minha cabeça com firmeza e, com o rosto bem próximo ao meu, disse que precisávamos disfarçar melhor. Paralisado por aquela abordagem enfática, senti Juliana me dar um beijo naquela área ingrata, na qual sabemos que não é mais bochecha, mas também não tocou na boca. Ao se afastar, ela disse que iríamos nos falando durante a festa e que queria dançar uma música comigo. Virou de costas e sumiu no meio da pista de dança.
- Amaral – peguei meu amigo pelo braço. – Vamos beber!
- Rapaz, ela está uma gata. Deu para sentir o clima entre vocês dois.
- Amaral, cala essa boca e vamos beber... MUITO!
Mal tentamos começar a andar pela festa, fomos parados por um simpático casal. Pais de uma das melhores alunas dentre os formandos. Elogios rasgados foram trocados, dúvidas sobre o futuro e carreira da aluna foram abordados e nada de garçom. Era visível a minha inquietude e a do Amaral. Finalmente, a uma distância razoável avistamos um garçom. Amaral tomou a iniciativa e foi atrás dele, enquanto eu permaneci com o casal sendo simpático. Ouvindo a conversa, mas de olho em Amaral, torcendo pelo sucesso de sua ação, vi quando ele quase teve de dar uma cotovelada em um aluno para conseguir pegar as duas últimas tulipas na bandeja. Sorridente, ele voltou me mostrando a bebida como troféu da sua conquista. Sempre adorei aquele idiota. Brindamos e bebemos em uma velocidade tão grande que o pai ficou impressionado. Talvez fosse melhor nos afastarmos para uma volta.
- Amaral, assim vai ser foda – mostrei a ele minha tulipa de plástico vazia. – Meia hora parados e só conseguimos um garçom. Que porra de open bar é esse?
- Não dá mesmo. A molecada está estrategicamente posicionada perto da saída dos garçons. Apenas um ou dois mais esforçados desviam deles para servir os outros convidados.
- Eu não despenquei até Caxias para ficar sóbrio – Amaral balbuciou algo, mas prossegui. – Muito menos para ficar me espremendo com aluno para conseguir cerveja. Não tem destilado aqui?
- Até tem, mas fica naquele balcão ali.
Amaral apontou para um balcão que parecia uma cena de batalha medieval. Um mar de jovens se empurrando na tentativa de conseguir a atenção dos três únicos funcionários fazendo bebidinhas coloridas ou divertidas, como prefiro chamar, que afetam a memória. Enxerguei ali uma oportunidade e puxei Amaral pelo braço. No meio do caminho ele começou a me perguntar o que estava fazendo. Pedi que apenas me desse uma nota de cinquenta reais e confiasse em mim. Aparentemente, é necessário exatamente o contrário, que primeiro ele confie em mim para depois me dar a nota. De qualquer forma, ele me entregou e me separei dele. Já falei que sempre adorei aquele idiota? Ele ficou plantado atrás da horda sedenta por álcool. Já eu fui contornando todos até parar na ponta do balcão, passei por debaixo da portinhola e andei até o que parecia ser o mais experiente de todos. Criou-se um alvoroço. Os que não me conheciam começaram a protestar. Os alunos fizeram uma farra com a imagem do seu professor atrás do balcão de bebidas. O aumento do barulho me foi favorável. Abracei o barman, coloquei minha mão dentro do bolso de trás de sua calça e falei em seu ouvido:
- Calma, não estou passando a mão na sua bunda. Está ouvindo eles? Sou o professor favorito deles e acabei de colocar uma nota de cinquenta no seu bolso. É possível que eu receba um atendimento prioritário?
- Cachaça ou vodca?
- Dois copos com muito gelo, um pouco de refrigerante de limão e vodca com nenhuma cerimônia na dosagem.
Ele largou o drink que fazia e encheu os dois copos. Comentou algo sobre me arrepender de beber aquilo a noite toda e me entregou. Gesticulei para que não guardasse a garrafa, dei uma golada que secou um dos copos e o devolvi para repor mais uma dose. A molecada delirou com a cena, ergui o copo saudado a hora e o devolvi ao barman que impressionado tornou a encher o copo. Agradeci e me despedi dizendo que voltaria mais vezes.
- Você tem merda na cabeça – falou o Amaral quando retornei lhe entregando um dos copos. – Você subornou o barman na frente dos alunos.
- Claro que não. Apenas dei um incentivo para ela ficar mais motivado a nos atender. E nenhum aluno viu. Foi por trás dele.
- EU VI DAQUI! Ou na sua cabeça acha que os alunos pensaram que você o ameaçou com uma possível dedada no rabo?
- Que seja, qual o problema deles saberem disso?
- Já pensou se eles começam a subornar ao seu exemplo? Tudo vira prioridade e joguei meus cinquenta reais no lixo.
- Relaxa, Amaral. Foram cinquenta reais. Eu já comecei a brincadeira inflacionando o mercado. Eles não vão cobrir isso.
Amaral deu de ombros e começamos a andar pela festa. Assim que nos esgueiramos pelas mesas, fomos abordados por outro casal de pais de alunos. Disparei um olhar entediante para o Amaral que, idiota como sempre, não percebeu e começou a conversar com eles entusiasticamente. Nada me oponho aos pais, mas ficar de papo superficial apenas por se fazer presente não é minha praia. A conversa começou sobre como passou rápido o ano. Não, não passou rápido. Principalmente a última semana que pelas minhas contas demorou seis meses. Quando desandaram a falar sobre a reforma da quadra da escola, inventei que uma tia alterada estava dançando até o chão e não podia perder por coisa alguma. Despedi-me elogiando a gravata do pai e o sorriso da mãe. Segui pelas mesas deixando Amaral por lá.
Foi impressionante o tempo que demorei para cruzar aquelas mesas. Por cada uma que passava, um pai elogiava o meu trabalho ou uma mãe dizia que o filho adorava minhas aulas. Sim, amo ouvir isso e por mim ficaria um dia inteiro à disposição deles somente para tal. O problema pontual naquele momento era estar de terno, com um copo em mãos de vodca quase pura terminando e uma vontade enorme de ver a Juliana se acabando de dançar. Obviamente, tudo que consegui foi terminar o copo antes de sair do mar de mesas. Resolvi voltar para o bar para um novo refil, só que dando a maior volta por fora, evitando assim as mesas. Chegando, nem precisei passar pela portinhola. Apenas sinalizei para o barman que em um minuto chegou com mais dois copos. Esperava naquele momento não encontrar o Amaral tão cedo.
- Hum, pegando bebidinha para mim – disse a Juliana ao se aproximar de surpresa.
- Eu não sabia que bebia vodca.
- Baby – ela segurou firme minha gravata e me puxou para muito perto dela. – Hoje estou bebendo tudo.
- Estou percebendo pela sua abordagem sociavelmente nada cautelosa. Você está bêbada?
- Bêbada? Você quer saber se estou bêbada? Ele não sabe se estou bêbada – ela segurou a gravata com as duas mãos. – Bêbada? Bêbada?
- Ok, isso vai ser mais longo do que imaginei. Vamos pegar uma água?
- Não – ela soltou a gravata e com as mãos espalmadas apertou cada uma das minhas bochechas. – Você não pode ser visto segurando água. Não, não pode. Isso vai ser péssimo para a sua imagem de bebum. Vamos beber essas vodcas agora mesmo.
- Baby, peraí – e cortei a minha própria fala porque Juliana tirou um dos copos de minhas mãos e deu um gole de respeito. – Vamos devagar com isso que ainda tem muita festa pela...
- Que belo casal – Verônica surgiu por trás de mim como uma assombração. – Desculpem-me! Casal não! Par! Duas pessoas bem vestidas e bonitas compondo um belo par. Para ser um casal, faz-se necessária uma relação. E não espero que exista relação entre aluna e professor na minha escola, não? Não? Então, como dizia, que belíssimo par.
- Dona Verônica – Juliana a recebeu de maneira empolgada, para não dizer embriagada. – Também acho. Eu não estou linda hoje?
- Ah sim, Juliana. Você está lindíssima – Verônica ia falando e disparando olhares para mim como quem pedia que preste atenção no que está acontecendo. – Sem dúvidas uma das mais bonitas nesta festa.
- E você acredita que ele sequer disse isso para mim? Nem um bonitinha ele falou para mim.
- Eu não acredito – Verônica se virou totalmente para mim. – Você não elogiou essa produção magnífica? Que diabo de homem insensível é você? A festa toda está babando por ela.
- Não seja tão dura assim com ele, Dona Verônica. Ele ficou nervoso quando me viu. Nervoso! Não sabia o que falar.
- Ele? Nervoso? Eu não acredito.
- Pois acredite. Gaguejou, ficou se tremendo todo e mudo. Mudinho da Silva. Não sabia o que falar.
- Vocês duas sabem que estou exatamente aqui ouvindo tudo isto, não sabem?
- Cale a boca – disse a Verônica. – Continue Mudinho da Silva que é a melhor coisa que faz. Então prossiga, Juliana. Acredito que com essa passividade dele diante da sua beleza deva ter causado tanta frustração que nem quer mais papo com ele.
- Não serei tão dura assim com ele. Afinal – Juliana voltou a segurar minha gravata com as duas mãos enquanto o rosto de Verônica ficava notadamente ruborizado. – ele está uma graça de terno. Você não acha que ele fica um gato de terno, Dona Verônica?
- Não me comprometa, Juliana.
- Ora, mas qual o problema, Dona Verônica? Eu sequer usei o termo tesão. Oh sim, ele está um tesão de terno. Você não acha que esteja digno de ser desarrumado?
- Juliana, acho que a sua opinião é a mais importante por aqui. O que você acha? Acha que ele está um tesão e mereça ser desarrumado por você?
- Eu acho muitas coisas, Dona Verônica – Juliana soltou minha gravata e apertou meus lábios. – Só que ele não me elogiou e, como lembrou bem, a festa toda está babando por mim. Além do mais, seria algo repugnante para você uma aluna com um professor. Então acho que vou dar uma volta. Quem sabe arranjo um namorado com desenvoltura.
- Veja só – Verônica pontuou logo após Juliana soltar meus lábio e ir embora com um dos meus copos em mãos. – É, ou não é uma garota adorável?
- Pena que não posso dizer o mesmo de você, não é mesmo, Verônica?
Dei as costas para ela e voltei para o bar para encher meu copo que esvaziou rapidamente enquanto presenciei calado à minha humilhação pública. Mais uma vez, encostar apenas na ponta do balcão foi suficiente para o barman me notar e interromper o que fazia para preparar meus dois copos. Bastante solícito, ele me entregou e brincou novamente sobre me arrepender de beber aquilo em tanta quantidade e tão pouco tempo. Agradeci e completei dizendo que provavelmente quem ia se arrepender por eu ter feito aquilo seria a segurança da festa.
Quando começava a retornar para o meio da festa à procura de Amaral, Verônica apareceu ao meu lado com dois copos de uísque e brincou que podíamos fazer uma troquinha. A ideia me pareceu bastante justa e tentadora. Topei. Só não contava com a condição imposta por ela de que deveria ser no lado de fora da casa de festas. Relutei por míseros segundos, mas ao final topei novamente. Ao final de contas, era uísque e, por ser uma das donas da escola, deveria ser de primeira. Ela sugeriu sairmos pela cozinha. O acesso era praticamente ao nosso lado e evitaria passar por aquele mar de mesas e pessoas. Atravessando a cozinha, sob olhares curiosos dos cozinheiros e garçons, peguei uma bandeja para facilitar a condução dos quatro copos e ainda roubamos um pequeno prato de salgados.
- Até que gostei daqui. Menos barulhento, mais arejado, bebidinhas e comidinhas. Você é uma gênia, Verônica.
- Quero ver repetir isso depois que você entornar os copos goela abaixo ou descobrir que todos esses salgados que pegou têm azeitona.
- Ah não brinca – desmontei um deles com a mão. – Puta que pariu! Só falta esse uísque ser falsificado ou nacional.
- Claro que não! Sou uma mulher fina – ela pegou um dos copos da bandeja que apoiamos sobre uma pilha de caixotes e me entregou. – Vira logo essa bagaça. Enquanto isso, deixe-me confirmar o que a Juliana disse. Você fica mesmo um tesão de terno e gravata. Parece homem. Não um moleque rebelde. Dá vontade de te desarrumar.
- Verônica, controle-se.
- Por que deveria me controlar? A Juliana, sua queridinha, não se controlou nem um pouco. Ficou lá se oferecendo toda para você. Acho até que vou mudar meu discurso lá do churrasco sobre se comportar.
- Ah sim, ela se ofereceu muito mesmo. Principalmente naqueles passos determinados enquanto se distanciava de mim em direção de vários garotões bêbados na pista de dança.
- Que bonitinho – ela apertou minhas bochechas. – Está com ciúmes. Está preocupado com a possibilidade da namoradinha que nunca deu uma bitoca em você se embolar com um alguém. Tá de quatro! Tá apaixonadinho! E ela cagou para você. CAGOU! POFT! POFT! Cagou e deixou um rastro de bolinhas de merda enquanto ia atrás da molecada fedendo a leite com vodca.
- Definitivamente, Vêronica, você não é uma mulher muita fina, diferentemente do seu uísque – virei o resto que tinha no meu copo. – Agora me dê o outro, porque nesse tinha mais gelo que bebida.
- Pega o outro! Enche a cara! Isso não vai te consolar! Isso não vai acalmar o que está te corroendo por dentro! Essa angústia de esperar tanto tempo, presenciar a Juliana linda daquele jeito e ao final vê-la escapar pelos dedos. Nenhum álcool do mundo vai te consolar ou fazer você esquecer-se disto. Você sabe muito bem que eu sou capaz de resolver esse seu problema.
- Verônica – dou um passo atrás quando ela se aproxima e acabo encurralado contra a parede. – Você está bêbada.
- Sim, estou bêbada – ela, me segurando pela cintura, colou o corpo todo em mim. – Isto é tão certo para você, quanto ao fato de que sou a saída para apagar essa frustração da sua cabeça.
- Verônica – virei o copo na tentativa de manter minha boca obstruída para aproximação da dela. – Isso não vai acontecer.
- Não vai acontecer? – Ela se afastou em um tom bem diferente do anterior. – Por que não vai acontecer? Por que sou sua chefe? Por que sou dez anos mais velha que você? Por que não estou tão firme quanto a sua pequena “musa caga e anda”? Por que sou casada? Por que conhece meus filhos? Fala! Qual seu preconceito?
- Verônica – aproveitei o afastamento dela para pegar um dos copos de vodca e depois ajeitar a gravata indicando nervosismo e desconforto. – Tirando os preconceitos motivados pelo seu complexo autodepreciativo associado ao seu corpo e imagem, sim, os outros são motivos suficientes para não querer. Mas quando disse que não ia acontecer, me referia a perder a Juliana. Ela está alterada, sim, mas não vai cometer uma besteira, pois, diferentemente de você, ela tem limites.
- Ah é, então por que aceitou tão facilmente vir aqui fora comigo? Eu sei! Eu sei o motivo – ela se aproximou novamente, pegou a minha mão que não está ocupada com o copo e, com uma força inacreditável, conduziu até pressionar sua boceta. – É por isso que está aqui!
- Verônica! – Eu tirei a minha mão e me afastei dela.
- Verônica! – Ela imitou a minha exclamação. – Qual o susto? Você adorou enfiar todos esses dedos em mim quando estávamos lá na minha sala. Qual o problema hoje? Está bêbado? Quando fica bêbado fica careta? Ou fica broxa?
- Verônica, por respeito ao seu marido – continuei me afastando dela. – Controle-se.
- Eu não quero me controlar. Eu quero que você me deixe descontrolada e me foda como nunca vai conseguir com aquela pirralha pudica – ela ia aumentando o tom de voz conforme me afastava mais ainda. – FODA-SE O MEU MARIDO! VOCÊ NÃO PENSOU NISSO QUANDO ME FODEU COMO SEU EU FOSSE...
Entrei na cozinha e a deixei gritando lá fora. Mesmo com todo som vindo do salão, ainda dava para ouvir os seus gritos na cozinha. A equipe toda estava parada me olhando atravessar a cozinha sob os gritos que vinham lá de fora. Não tinha o que explicar. Eles provavelmente ouviram tudo ou a melhor parte. Se é que posso chamar de melhor. Ao final, já com a mão na porta que dá acesso ao salão, consciente que a merda estava feita, virei-me para trás e disse para todos que ainda me encaravam:
- Isso é culpa de vocês que a deixaram assim por colocar azeitona em tudo.
Meia dúzia de passos pelo salão e surgiu o Amaral todo esbaforido e afoito. Perguntou onde tinha me enfiado. Disse que me procurou por toda casa de festas e estava puto porque seu copo estava vazio tinha muito tempo. Ele comentou que foi falar com o tal barman à procura de atendimento privilegiado, mas teve o pedido recusado. Mesmo depois de afirmar que a nota de cinquenta na verdade era dele. O Amaral sempre foi um idiota.
- Vamos lá pegar mais que esse copo aqui aguou.
Mesmo visto pelo barman, passei por debaixo da portinhola, aproximei-me dele e disse que essa ida e vinda estava muito cansativa. Ele riu e me ofereceu uma garrafa de vodca. Agradeci rindo e levantei para os alunos como um capitão erguendo a taça do campeonato. Sob ovação coletiva, dei uma senhora golada na garrafa e saí. Amaral incrédulo tirou a garrafa da minha mão e deu uma bicada de constranger qualquer pessoa naquele recinto.
- Porra, Amaral! Bebe essa merda direito porque vou sumir lá no meio da pista atrás da Juliana.
- Isso não é justo! Eu paguei o suborno e vou ficar sem a bebida?
- A minha desenvoltura para que isto desse certo é mais cara que cinquenta reais. Logo, tenho mais direitos que você. E agora, se eu fosse você, iria correndo no bar e pegaria um copo para se servir.
- Não saia daqui então, idiota!
Lá se foi Amaral todo desajeitado a passos acelerados para o bar. Saí de lá um segundo depois. Se for para ser chamado de idiota, que fosse por um motivo razoável.
Entrei na pista de dança e obviamente me locomover por lá não seria nada fácil. A cada passo uma aluna brincava com a minha presença. Ou um aluno tirava sarro da cena. Estava bêbado e disposto a entrar na onda, então dava corda para todos. Entre uma mexida para cá e uma jogada de cintura para lá, avistei Juliana. Ela estava em uma pequena roda com amigas e não tinha me visto. Comecei a andar em sua direção, mas evitando que me notasse. Quando estava muito perto, ela me viu, escancarou um sorriso, levantou um dos braços em minha direção e com o indicador começou a fazer gestos me chamando. Não tenho a menor ideia de que tipo de música estava tocando. Sei apenas que, ela no mesmo local e eu indo em sua direção, nos mexíamos ao som da música. Ou pelo menos achávamos, pois a vodca tem esse poder persuasivo de nos convencer que sabemos dançar. A uma distância bem próxima, ela pegou a garrafa de minhas mãos e deu um gole que o Amaral precisava ter visto para aprender. Depois me devolveu e levantou os braços dando espaço para me aproximar. Já com os corpos colados, ela com os dois braços por trás do meu pescoço e eu com a minha única mão livre segurando sua cintura, continuávamos nos mexendo naquela ilusão rítmica da vodca. Era corpo colado no corpo. Pélvis se esfregando na outra. Minha perna esquerda estava tão encaixada no meio das pernas dela, que uma pessoa distraída pensaria que eu era um amputado e ela um parente de polvo. Seu rosto liso e macio se misturava com a minha barba por fazer. Tudo que era meu estava tocando nela e vice-versa. Pela primeira vez éramos uma identidade apenas. A coisa estava intensa, todos ao redor notaram e nem por isso disfarçamos. Ou nos preocupamos, se assim preferirem:
- Baby, não dá mais – falei ao seu ouvido com o rosto colado ao dela. – Eu quero muito você.
- Muito? – Ela perguntou de uma forma sexy e provocativa.
- Muito. Vamos cagar para esse pessoal todo ao nosso redor. Deixa eu te beijar agora.
- AGORA? – Ela deu uma risada exagerada meio disfarçando o teor da nossa conversa, meio de nervoso. – Baby, eu te quero muito, mas não aqui.
- Então vamos lá para fora. Por favor, eu não estou aguentando mais. Se quer tanto algo sério comigo, por que não começar aqui com todos vendo?
- Baby – ela afastou a sua bochecha da minha e de frente, com os lábios muito perto dos meus, prosseguiu. – Eu estou doida para provar a sua boca, mas não vai ser aqui, nem hoje.
Juliana tomou mais uma vez a garrafa de vodca da minha mão e a levantou sugerindo que me serviria na boca. Aceitei. Ela virou sem pudor. Essa menina tem potencial, pensei na hora. Quando dei sinal que precisava interromper porque era demais, ela tirou o gargalo da minha boca, mandou um beijo provocativo no ar para mim, virou-se de costas e foi embora com a garrafa na direção das amigas. Agora estava parado no meio da pista, sendo o centro das atenções, de pau duro, bêbado e sem saber para onde ir.
Com um esforço absurdo e sem a menor noção de direção consegui sair da pista de dança. Mais uma vez lá estava Amaral à minha espera. Estava começando a desconfiar que ou ele estava me dando mole, ou tinha severa dificuldade em socializar. Ele perguntou de forma direta pela garrafa. Dizer que tinha bebido tudo seria uma mentira muito exagerada. Contar sobre a Juliana daria muita bandeira. Falei que esbarraram em mim e ela se espatifou no chão. Avisei que pegaria mais e ele pediu que não fosse algo puro, pois as coisas estavam feias para o lado dele. O idiota não tem a menor ideia do quanto isso soava ridículo perto da minha situação.
Chegando perto do balcão, dei uma olhada para ver as opções disponíveis para misturar a pedido do Amaral. À disposição do barman estava uma fileira de vasilhas prepotentes, cada uma delas cheia de pedaços de um tipo de fruta para fazer bebidinhas divertidas. Tinha morango, kiwi, acerola, carambola e outras que minha concentração não pode identificar. Ao final da fileira estava uma melancia com apenas o topo cortado. De dentro dela, com um pegador, o barman retirava pedaços para a mesma finalidade das outras nas vasilhas.
- DEUS DO CÉU – gritou o Amaral espantado. – O QUE É ISSO?
- Bebidinha divertida de melancia com vodca – respondi mostrando a melancia que roubei do balcão do barman. – Veja, tem dois canudinhos. Um para mim e o outro para o amiguinho. O seu é o verde! Da cor dessa gravata ridícula. Anda! Tem meia garrafa de vodca derramada aqui dentro.
- Senhor, preciso que devolva isso – disse um segurança furtivamente com uma das mãos apoiadas sobre o meu ombro.
- Não, escute só – entreguei a melancia para o Amaral que ficou dando bicadinhas pelo canudo. – O barman quem me deu. É consentido! Pode olhar para ele.
O segurança então se virou para o bar e de lá estava o barman gesticulando. Seus gestos sinalizavam para deixar de lado. Algo do tipo que estava tudo bem. Ou que eu era um retardado e era melhor não contrariar. O segurança com uma expressão de reprovação consentiu e perguntou se eu era o tal professor que a dona da escola tinha alertado. Neguei e apontei para o Amaral que se tremeu todo a ponto de engasgar. O segurança se foi e tomei a melancia de volta.
- Cara, isso vai dar merda – disse o Amaral quase gaguejando. – Vamos sair daqui.
Em um lapso de consciência, concordei com ele. A primeira coisa que me veio à cabeça foi os fundos da cozinha, mas lá era quente e tinha muito mosquito. Mentira! Estava com receio de encontrar a Verônica ainda por lá xingando a pilha de caixotes pensando ser eu. Olhei ao redor e vi um pequeno mezanino apagado. Seria lá. Ao pé da escada que dava acesso tinha uma espécie de corrente de plástico para conter o acesso. Ignoramos aquilo e subimos escondidos. O local devia ser usado como depósito ou algo do tipo, pois tinha muito caixote por lá. Ajeitamos alguns, nos sentamos sobre eles e, praticamente encobertos pela mureta guarda-corpos, estávamos escondidos com, ao mesmo tempo, visão privilegiada da festa. Era no nosso camarote clandestino improvisado.
Tínhamos agora uma cena bastante romântica. Eu sentado juntinho ao Amaral com a melancia apoiada em partes na minha perna e em partes na perna dele. A cada momento um se inclinava um pouco para dar uma “chupadinha” no seu respectivo canudo. Até brincamos dizendo que, se alguém visse aquela cena por trás, pensaria estávamos fazendo troquinha de boquete. Como já estávamos muito bêbados, em um determinado momento nos entretemos brincando de tentar acertar a Verônica com os caroços da melancia. Foi divertido até ela se irritar e, sem saber de onde vinham, sair de onde estava ficando assim fora do nosso campo de visão.
Ficamos quase duas horas lá em cima. Era de fato uma festa bastante animada. Em determinado momento, a pista estava lotada, inclusive com pais e parentes mais velhos. Chegamos a cogitar participar também, mas sabíamos bem que isso não era do nosso feitio. Permanecemos por lá debochando dos movimentos descoordenados de uns, da roupa de outros e da decoração clichê do local. Por volta de quase quatro da manhã Amaral jogou a toalha. Não aguentava mais beber e decidiu ir embora. Perguntou se queria carona e neguei falando que a festa estava no auge. Pediu que o ajudasse a descer a escada e neguei porque seria mais divertido ver ele se esborraçar degraus abaixo. Ele não caiu, mas se embolou todo na correntinha de plástico, precisando arrebentar para conseguir passar. Foi bem divertido. Quase coloquei vodca com melancia pelo nariz.
Mesmo sozinho consegui me diverti por lá. Sempre fui muito autosuficiente para estas coisas. Na maior parte das vezes, me divirto mais sozinho que acompanhado. Com a parte líquida quase no fim, comecei a raspar a melancia. Algo no meu cérebro afogado em álcool dizia que aquilo seria o bastante para me hidratar e reduzir a embriaguez. Obviamente não fez efeito algum e, quando a polpa da melancia acabou, aposentei o canudo e comecei a virar direto na boca como um enorme copo caribenho. Ao final da bebida, levantei-me para pegar mais e tudo rodou. Estava completamente bêbado. Tanto que precisei me apoiar de maneira irresponsável na baixa mureta para me manter de pé. Quando finalmente consegui ficar minimamente restabelecido não pude acreditar no que estava acontecendo no meio da pista de dança. Juliana estava aos beijos com um rapaz. Filha da puta!
Tentei descer a escada rapidamente, mas tropecei e fui de bunda por metade dos degraus finais. Abraçado à melancia ainda intacta pelo tombo, segui colérico pelo salão até ser interrompido por outro professor. Ele dizia que a Verônica estava atrás de mim há uma hora. Perdi o foco por meio segundo e me recobrei mais colérico ainda. Não bastante, fiquei irracional.
Foda-se! Palhaçada! Ficou me mantendo em banho-maria este tempo todo porque era casado. Depois, já divorciado, não podia porque ainda existia uma relação professor aluna. Daí se formou e não assume porque tem testemunhas ao redor. Para o inferno! Quem ela pensa que é para me enrolar tanto? Duvido que estivesse mesmo interessada. Ela estava apenas mantendo uma diversão conveniente. Aposto que nenhum garotão como aquele que enfiava a língua em sua garganta era capaz de falar as coisas que ela gostava de ouvir. DUVIDO! EU ERA E SEMPRE FUI CAPAZ DISTO! Era eu quem massageava seu ego. Era eu quem fazia ela se sentir especial. Não esses moleques que só pensam em academia. Tudo uma molecada molenga e bunda-mole. Foda-se ela!
Vou fazer o que sei fazer melhor. Merda! Vou atrás da Verônica para trepar com ela. Pouco me importa as besteiras que ela jogou na minha cara. Tudo que precisava naquele momento era sexo sujo e impulsivo sem compromisso. Verônica me daria isso e, se fosse mesmo um padrão dela, sairia calada ao final como da última vez. Perguntei então ao professor onde a encontraria e ele respondeu que a viu entrando na cozinha. Já sabia então onde estava. Cruzei a cozinha como um ônibus sem freio descendo uma ladeira. Alguns funcionários me dispararam olhares de alerta. Caguei para eles. Ao sair pela porta dos fundos, flagrei a Verônica dando para um pai de aluno. Tentei soltar um xingamento, mas tudo que consegui foi jorrar um jato de vômito que quase os acertou. Os dois sem graça e em pânico correram para trás de uma Kombi tentando se vestir. Dei outras duas golfadas. Uma na parede que chegou a respingar nas minhas calças. A segunda dentro da melancia que ainda segurava. Depois, limpei a boca na gravata e retornei para a cozinha. Novamente os olhares e agora de mais funcionários do que antes. Mandei todos enfiarem as azeitonas do rabo. Saí da cozinha, entrei na pista de dança e, ignorando qualquer lei básica da física, passei por uma multidão se remexendo ao som de funk até chegar à Juliana. Lá estava ela ainda se esfregando e beijando o rapaz. Separei os dois. Ele sem entender ficou me olhando. Já ela entrou em pânico quando me viu:
- Parabéns! Aqui está o seu prêmio! Merece um abacaxi, mas tudo que tenho agora é uma melancia. Aposto que ela tem mais QI que esse cara aí. Seja feliz com ela – virei-me de costas e fui embora sem ouvir sequer um pedido dela para que esperasse.
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